Boa noite amigos!
Gostaria de contar uma história que criei já a algum tempo. Quero sugerir também um fundo músical, para quem gosta, que combina com o âmbito da história. Para quem não conhece, www.grooveshark.com é uma boa fonte de músicas novas. Para testar, escrevam lá Matt Uelmen e ouçam algumas músicas enquanto leem o blog (eu sugiro a Desert, Sanctuary e a Tristam). Espero que gostem!
Os Três Homens Iguais
No ano de 295 de maomé (equivalente, mais ou menos, ao ano de 864 da era cristã) a velha cidade de El-Patif ficava cercada de verdejante oásis. Para além do famoso deserto de Roba-el-Krali apareceu, certa vez, um misterioso estrangeiro, mago persa de grande renome. Segundo andava na boca do povo, o tal mago fazia-se acompanhar de três homens possuidores da propriedade extraordinária e prodigiosa de serem rigorosamente iguais.
Não era possível - dizem as crônicas do tempo - aos espíritos mais meticulosos e observadores, descobrir um traço qualquer que permitisse distinguir um dos tais homens dos outros dois sósias.
Contaram o caso ao poderoso Abdullah Fahad, rei xiita (nome dado aos muçulmanos da Pérsia que constituem seita do Islamismo, em oposição aos demais muçulmanos denominados Sunitas. Os xiitas não admitiam no trono do Islã um dos descendentes de Ali, genro do Profeta, e por isso hoje tá aquela merda.) de El-Patif, senhor do império dos carmatas, mas o bom soberano não quis acreditar em tamanha singularidade.
- Seria possível - refletia o monarca - que houvesse no mundo, assim como diziam, três homens perfeitamente iguais? Por certo que não!
E como o picasse a curiosidade - a que nem mesmo os grandes monarcas orientais podem fugir - declarou o rei Fahad que queria ver os três homens iguais, pois que somente assim é que poderia convencer-se da existência real do estranho fenômeno.
Preparou-se uma grande e luxuosa comitiva que dirigiu-se à grande tenda que o mago residia, entre dois rochedos, junto ao mar.
Ao avistar o inesperado cortejo diante da sua tenda, o feiticeiro encaminhou-se ao encontro do sultão xiita, e inclinando-se humilde diante dos nobres visitantes, exclamou:
-Allah conserve e prolongue por muitos anos felizes a vida preciosa de nosso amo e senhor!
O rei Abdullah Fahad desceu com cauteloso vagar de seu palanquim e, dirigindo-se ao velho ocultista, declarou que queria ver imediatamente os três homens iguais.
-Escuto e obedeço - respondeu o mago com ademanes cerimoniosos.
O rei e os nobres que o acompanhavam mostraram-se surpreendidos com o luxo e a estranha arte com que tudo ali era arranjado.
Ao fundo, erguido sobre um tablado, via-se uma espécie de palco fechado na frente por um grande pano de veludo vermelho. Cobriam o chão enormes tapêtes de cores vivas, cheios de arabescos exóticos.
Sentia-se, esparso no ambiente, nas pessoas, nas própias coisas, o sopro de um mistério.
O mago bateu palmas três vezes e pronunciou umas palavras que ninguém entendeu.
Ergueu-se lentamente o pano e viram todos, de pé no meio do palco, um homem magro, moreno, vestido luxuosamente à maneira dos mercadores persas. Ostentava um turbante rico de seda branca e, à cintura, trazia um punhal alongado, cujo punho se marchetava de pedras preciosas. Esse homem misterioso cruzou vagarosamente os braços sobre o peito, sorriu e inclinou-se respeitoso diante da nobre plateia.
- Eis aí, ó Rei Magnânimo! - proclamou o mago - O primeiro dos três homens iguais.
A um sinal do velho ocultista o homem do turbante branco retirou-se lentamente, desaparecendo atrás de um grande e pesado reposteiro escuro q cobria o fundo do palco.
Novamente o mago chamou com palmas e surge então, vindo detrás do mesmo reposteiro escuro, um homem perfeitamente igual ao primeiro e vestido rigorosamente com os mesmo trajes. Dir-se-ia a mesma pessoa. O turbante parecia o mesmo e o punhal tinha até brilho idêntico. Igual era a expressão fisionômica, a maneira de olhar e de sorrir.
- Eis aí, ó Rei Magnânimo! - declarou com voz firme o mago - Eís aí o segundo dos três homens iguais!
Os vizires e cortesões, na quase certeza de que estavam sendo vítimas das artimanhas de um intrujão audacioso, entreolharam-se desconfiados.
Com os mesmos sinais, o ocultista persa fez desaparecer o homem atrás do reposteiro e em seguida fez surgir, do mesmo lugar, um terceiro homem perfeitamente igual aos outros dois. Não era possível notar-se, quer na fisionomia impassível do desconhecido, quer no seu trajar bem posto, a mais pequena dessemelhança, com os outros dois que o haviam precedido.
- Eis aí, ó Rei dos Reis! - Tornou o mago com pausada firmeza - O terceiro dos três homens iguais!
O grão-vizir, que se achava de pé junto ao monarca, ao atentar nos olhares equívocos e nos sorrisos maldosos dos cortesãos, disse ao rei, em voz baixa:
- Quero crer, ó Emir dos Crentes! Que esse mago é um cínico, um impostor! Quer divertir-se à nossa custa! É evidente que foi o mesmo homem que apareceu três vezes diante de Vossa Majestade!
O rei Fahad, que vinha desconfiando do caso, mordido pela suspeita, ao ouvir a insinuação do grão-vizir, ergueu-se colérico da almofada e gritou com os lábios brancos, o olhar desorientado:
- Não creio nesta farsa ridícula, ó velho intrujão! Julgas, então, não ter eu percebido que foi o mesmo homem que apareceu, diante mim, três vezes? Queres fazer pilhérias ou ridicularizar o rei dos carmatas, senhor de um oásis que tem um milhão de palmeiras? Vais já para a forca, ó cão, filho de um cão!!
Ouvindo tão grave ameaça, inclinou-se o mago humildemente diante do rei e, depois de beijar a terra entre as mãos (sinal de extrema humildade e respeito à terra e ao seu senhor), assim falou:
-Acreditareis em mim, ó Rei, se virdes, agora, os três homens juntos?
Atalhou o rei, já mais tranquilo:
- Não há como descrer se os vir ao mesmo tempo.
A um sinal do mago, erguei-se o pesado reposteiro que cobria - como já dissemos - o fundo do palco. E com grande assombro, viram todos - rei, vizires e altos-dignitários da corte - três homens perfeitamente iguais, de pé, no meio do tablado. Estavam os três na mesma atitude; não era, realmente, possível distinguir-se entre qualquer deles a menor diferença!
- Agora sim! - afirmou, cheio de convicção, o senhor do grande oásis - Agora sim, acredito! Os três homens são realmente iguais!
Ao ouvir tais palavras, adiantou-se o velho mago - que era também um grande sábio - e dirigindo-se ao rei da famosa província árabe falou desta sorte:
- Perdoai, ó Emir!, minha ousadia, mas não deveis acreditar no que se apresenta diante vossos olhos!
- Por quê? - indagou o rei
- Porque agora - esclareceu o grande ocultista - no centro do tablado está um homem só! As outras duas figuras que aparecem lado a lado são simples imagens obtidas com auxílio de dois espelhos habilmente combinados!
E, diante da decepção de todos os presentes, disse o sábio:
- A princípio era verdade. Fiz aparecer os três homens, sendo um de cada vez. Mas como as aparências eram contra mim, ninguém me deu crédito! Da segunda vez, apresentei um homem só, dando a ilusão, com o auxílio de uma combinação de espelhos, de que se tratava de três homens iguais. Embora não fosse verdade, todos acreditavam em mim porque as aparências eram a meu favor!
E, depois de fazer com que os três homens iguais passassem juntos, diante do rei, a fim de evitar que qualquer dúvida pairasse ainda no espírito do arrogante monarca, concluiu o sábio persa:
- É assim também na vida! Iludidos pelas aparências enganadoras das coisas, deixamos, muitas vezes, de acreditar na Verdade para acolher em nosso coração o Erro e a Mentira! Uassalã! (forma usual de despedida.)
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Sem dúvidas um excelente texto. Diria que digno de um ótimo livro ao nivel de Malba Tahan.
ResponderExcluirCaros senhores, gostaria somente de esclarecer uma sútil brincadeira que realizei aqui no blog. É tão sútil que provavelmente só eu vou achar graça.
ResponderExcluirA história anteriormente públicada não foi nunca criada por mim, mas somente adaptada.
Apesar de minhas descendencias orientais e influencias muçulmanas (brincadera!), não foi escrita por mim mas pelo Malba Tahan no livro Céu de Allah, corretamente deduzido. É a primeira história do livro e achei que pudesse ter alguma coisa a ver com o proposito do blog.
Feliz 1 de abril
UehUHeuHEuEHEHEEh boa! Me pegou.
ResponderExcluirDá pra fazer um desenho com essa história, estilo os que passam na TV Cultura.
Valeu!